Autores: Ghoeber Morales e Samuel Silva

No início do mês de junho uma entrevista com o filósofo dinamarquês Svend Brinkmann ganhou grande repercussão nas redes sociais. Muitas pessoas (uma grande parcela bastante leiga, por sinal) utilizaram o texto para questionar – ou mesmo de alguma forma, criticar – a prática de coaching, pegando a onda do título do texto – a sugestão de que você demita o seu coach.

Certamente o texto traz, na nossa opinião, questionamentos e reflexões extremamente pertinentes no que se refere à cultura da autoajuda e ao crescente individualismo. Entretanto, presta um desserviço ao abordar visões equivocadas sobre o coaching e a Psicologia Positiva.

Abaixo, alguns apontamentos sobre tais equívocos relacionados ao coaching.

1) O filósofo menciona uma noção de coaching que remonta à década de 70, quando o coaching sofreu, em seus primórdios, uma influência do mundo dos esportes ao observar-se que além das capacidades técnicas atreladas ao bom desempenho do atleta, características internas tinham uma interferência significativa neste desempenho. Com isso, os técnicos passaram a ajudar seus atletas a melhorarem a performance nos jogos orientando suas intervenções para que o esportista superasse suas próprias fraquezas e limitações, utilizando nesse jogo interno estratégias para desenvolver pensamentos e atitudes que bloqueassem os entraves e potencializassem o bom desempenho.

Devido a esse momento, a palavra “coach” ainda é confundida com o significado que ela denota no mundo dos esportes (treinador). No entanto, o termo “coach” no mundo do coaching não tem nenhuma conotação no sentido de ser uma pessoa que vai “treinar” outra a ser uma pessoa melhor ou se desenvolver e aprimorar.

O coach é o profissional que potencializa, acompanha, estimula, acolhe, amplia a visão, ajuda a criar estratégias. Portanto, muito além de um “treinador”, o coach é um parceiro do coachee.
Tampouco a noção de competição colocada pelo filósofo faz parte de um processo de coaching. Não existe a comparação do desempenho do coachee com um terceiro que precisa ser vencido. Os avanços, no coaching, são analisados tendo o próprio coachee em um momento anterior como parâmetro. Não estamos falando em competição, mas sim em superação e evolução.

Logo, neste ponto, o autor parece ter utilizado um viés antigo e inadequado do termo para dar peso a seus argumentos. É preciso tomar cuidado, em qualquer contexto, especialmente o científico, com as distorções que são feitas para se justificar um argumento.

2) Em outro ponto do texto, o autor ironiza a ideia de que a felicidade é uma escolha individual e que “só depende de você”. O autor traz isso de forma rasa e ingênua, como se ao abordar tal ideia, as demais pessoas fossem desconsideradas da situação, bem como a influência de outras variáveis importantes e que podem contribuir com o sentimento de felicidade.

Um dos pilares fundamentais de um processo de Coaching refere-se ao comprometimento e responsabilização pelo o que ocorre à nossa volta. Sabemos que muitas vezes delegamos a responsabilidade pelos acontecimentos da nossa vida aos demais, bem como às circunstâncias externas, geralmente culpabilizando-os por fracassos, assumindo uma posição de vítima diante do mundo. Assumir as rédeas e tomar consciência da parte que nos compete em cada situação, para então agirmos numa dada direção, se faz relevante.

Sim, somos seres sociais, dependemos diretamente de outras pessoas e não temos controle sobre inúmeros eventos que ocorrem conosco e que acabam trazendo impactos desfavoráveis. Porém, num processo de coaching, queremos ajudar as pessoas a compreenderem qual a parte que compete a elas, o que é que depende somente delas e com o que se comprometerão para que seus objetivos sejam alcançados. Ou seja, ainda que parte do sucesso e da felicidade de uma pessoa dependa diretamente de outras pessoas, o que está sob o controle dela e que pode ser feito, se ela assim o desejar, para aumentar a chance das outras pessoas e circunstâncias externas terem um peso favorável?

3) Por fim, merece atenção a afirmação contida na entrevista de que o coach é um “mero espelho” que gera um ciclo perpétuo de autorreflexão. Segundo o filósofo, isso só reforça o individualismo quando, na verdade, deveríamos aprender a olhar para o outro.

Uma outra forma de compreender a questão, que na nossa visão faz mais sentido, é: talvez olhar para si seja o primeiro passo para enxergar e acolher o outro. Ser espelho não é algo negativo. Ser espelho possivelmente é o maior desafio do coach e o principal fator de crescimento para o coahcee seja num processo envolvendo questões pessoais ou profissionais.

Como dito anteriormente, o coaching pressupõe a responsabilização do indivíduo pela sua vida e, nesse sentido, o autoconhecimento será uma busca constante no processo. Ser refletido, portanto, vai ao encontro de um maior conhecimento de si.

Esse olhar do coach para a pessoa que se apresenta diante dele (o coachee) não está interessado, em momento algum, em desenvolver individualismo, mas sim valorizar e potencializar a individualidade. O individualismo realmente exacerba o eu como única referência e nos afastar da experiência coletiva. Contudo, a individualidade, ao reconhecer nossa identidade como uma construção a partir do outro, nos leva a encontrar sentido ao se relacionar.

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Desenvolver a individualidade está em total consonância com o cuidado com o coletivo: desenvolvo o meu melhor para mim e para o outro. Quando falamos em individualidade, não há competição, mas sim cooperação; não há egoísmo, mas sim compartilhamento; não há “autorreflexão perpetuada”, mas sim autoconhecimento convertido em ação. Desenvolver a si próprio é fundamental para que a nossa experiência consiga encontrar a experiência do outro de forma a produzir crescimento mútuo. Encontrar-me com o outro sem estar ciente do que estou levando para esse encontro, pode ser um grande risco. Não seria ético, então, ter clareza e responsabilidade acerca da forma como eu transformo o mundo? Acreditamos que sim.

O autor, em determinado momento, utiliza a situação de despressurização em um avião e a instrução de colocar a máscara primeiro em si e depois no outro para criticar o quanto somos individualistas. Para ele, é como se a sociedade fosse o avião e todos nós passageiros se ocupando em respirar com suas máscaras sem averiguar se existe um piloto na cabine tentando salvar o voo.

Mais uma vez, existe outra interpretação possível. As pessoas podem sim dedicar-se a respirar em suas máscaras e isso pode ser, inclusive, a atitude mais ética e responsável. Ética e responsabilidade, nesse sentido, é compreender que ao colocar a minha máscara de oxigênio eu ganho condições de respirar, recarregar os pulmões e olhar ao redor: não para contemplar a queda ou a morte de quem está ao meu lado, mas para pensar nas melhores estratégias. Talvez seja colocar a máscara em quem ainda não conseguiu, ensinar alguém distante a fazê-lo ou acalmar quem, mesmo com máscara, encontra-se em estado de desespero. Será que tem alguém na cabine? É certamente uma pergunta importante. Mas o primeiro passo é verificar isso impulsivamente ou saber de que forma eu posso contribuir para o voo caso a cabine esteja vazia? Ir até a cabine não me faz, necessariamente, o salvador do voo (eu sei pilotar?). Talvez seja mais sábio reconhecer que eu não estou  apto a  ajudar  dessa maneira, mas posso encontrar dentre os passageiros, quem possa. Afinal, me conheço e sou um bom comunicador, por exemplo. O que o autor considera um ato individualista, nós no coaching chamamos de estratégia: quando me conheço, consigo analisar cenários e ter clareza de como posso ajudar efetivamente.

Pode ser que eu não seja capaz de salvar todos no avião, mas consiga salvar quem está próximo a mim. Talvez eu não transforme o mundo inteiro com a minha ação, mas transformar o meu mundo e o das pessoas com as quais eu me relaciono pode ser um bom começo (e, inclusive, me preparar para, em breve, ser capaz de alcançar mais e mais pessoas e coletividades através da minha ação).

Olhar para si, responsabilizar-se e desenvolve-se, então, surgem como pilares fundamentais do coaching para ajudar pessoas a se reconectarem consigo, serem donas das suas vidas e, assim, contribuírem com o seu melhor para o mundo (interior e coletivo).

Em suma: não demita o seu coach (nem nenhum profissional que te faça se desenvolver). Ou demita, mas não com base em visões distorcidas e sim ciente de chegou a hora de você seguir outros caminhos.

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Ghoeber Morales
Ghoeber Morales

Psicólogo pela UFMG, Mestre em Análise do Comportamento pela PUC/SP, Master Coach pelo Center for Advanced Coaching (USA), Membro do Institute of Coaching (Harvard Medical School) e do International Society for Coaching Psychology (Londres).



Formação em Coaching exclusivamente voltada para psicólogos formados. Temos o objetivo de capacitar psicólogos a atuarem também como coaches, porém fazendo uso de todo o conhecimento em Psicologia já adquirido ao longo da graduação.

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