O mercado de Coaching tem crescido de forma vertiginosa em todo o mundo, e em nosso país não tem sido diferente. Como outras profissões não regulamentadas, têm sido observados, no meu ponto de vista, certos exageros e absurdos (infelizmente com mais frequência do que eu desejaria). Talvez você já esteja até imaginando alguns deles, pois provavelmente já se deparou com tais profissionais nas redes sociais, ou mesmo já recebeu algum e-mail.

Enfim, tenho ouvido com regularidade a expressão: “- Todo mundo agora é coach!”. Já reparou?

E, de fato, há uma infinidade deles (eu, inclusive).

Com a proliferação de instituições que oferecem cursos de formação em Coaching, a entrada neste mercado de trabalho ficou bastante facilitada. Na maior parte das instituições, basta pagar o valor do investimento proposto e após concluir o curso de formação a pessoa já está apta a trabalhar na área.

Aliás, como uma profissão não regulamentada, qualquer um que se intitular coach (com ou sem a devida formação), pode trabalhar como tal.

Sensacionalismo

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Alguns dos exageros e absurdos que me desagradam profundamente começam justamente na forma como alguns (muitos) cursos de formação em Coaching têm sido comercializados no país (e em boa parte do mundo afora também): enfatizando que em pouco tempo a pessoa poderá atuar no mercado de trabalho, cobrando um valor alto por sessão, sem necessidade de ter custos com um local para atendimento, sendo seu próprio chefe, e por aí vai.

Nada disso necessariamente é mentira, mas é vendida uma ilusão ao futuro coach de que após o curso de formação a vida dele vai se transformar de tal forma x, y, z…  Mais uma vez, tudo isso pode acontecer de fato, mas você que tem acompanhado tais anúncios já entendeu bem o que estou dizendo.

Sim, isto me incomoda profundamente, pois acredito que “o buraco é mais embaixo”. Se está certo ou errado não me cabe avaliar; estou apenas apontando a minha opinião (e você pode ou não se identificar com ela).

Fato é que, num processo de Coaching é muito provável (para não falar que ocorre em todos eles) que aspectos emocionais importantes sejam recrutados ao longo das sessões e do processo como um todo.  Afinal, independente do objetivo do cliente, estamos lidando com algo muito importante para a vida dele: algo que ele almeja alcançar e que sozinho não estava conseguindo; algo que faz com que os olhos dele muitas vezes fiquem marejados só de pensar; algo que faz com que ele eventualmente perca o sono de tanto refletir sobre; algo que faz a vida dele ter mais sentido.

Muitas vezes estamos lidando com o sonho das pessoas!

Numa trajetória dessas, rumo ao seu objetivo, o cliente acaba, portanto, saindo de sua zona de conforto, desenvolvendo certas habilidades, enfrentando situações difíceis, sendo chamado a fazer diferente do que estava acostumado.

Inevitavelmente, isto tem um impacto emocional (maior ou menor) em cada cliente. E, inúmeras vezes, é este manejo, feito de forma adequada, que contribui significativamente para o sucesso do processo (dentre outros aspectos relevantes, claro).

Neste aspecto (e em vários outros), os papéis desempenhados por um coach acabam sendo bastante similares ao de um psicólogo clínico, por exemplo.

Impacto Emocional

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Até que ponto um profissional coach que não é psicólogo está preparado para lidar com esse manejo “clínico” de forma adequada? Afinal, em 4 ou 6 dias de curso de formação uma pessoa consegue aprender e treinar com profundidade a como ter este manejo?

Um advogado que também é coach, um cabeleireiro que também é coach, um engenheiro que também é coach, uma pessoa que estudou até a 7a série e também é coach, estão preparados para lidar com aspectos emocionais suscitados num processo de Coaching? Todas estas pessoas que se formaram coaches e não são psicólogos estão preparadas para lidar com isso? Não necessariamente!

Um psicólogo que também é coach estaria? Não necessariamente! Não sejamos ingênuos… Profissionais medíocres existem em qualquer área, e a Psicologia não está isenta disso.

Sim, me incomoda ver coaches não psicólogos eventualmente parecendo ser meros “aplicadores de ferramentas”, sem entender a fundo a complexidade do comportamento humano.

Isto significa que eu, psicólogo, compreenda tudo e saiba com total clareza exatamente (em termos psicológicos) de tudo que está por trás de cada ferramenta de Coaching utilizada? Claro que não! Aliás, você psicólogo, sabe descrever, neste exato momento, na ponta da língua, cientificamente falando, cada aspecto da transferência e contratransferência que ocorre com você e seu cliente?

Por que isso funciona? Por que um “balançar de cabeça” e um “hum hum”, ou um momento de silêncio tem determinado efeito?

Consegue trazer uma explicação científica aprofundada de por que o simples fato de uma pessoa lembrar-se de uma situação passada na qual já foi bem sucedida (e agora ao revivê-la da forma mais vívida possível, apenas em pensamento) pode ter ganhos significativos em seu desempenho numa próxima ocasião?

Sim, me incomoda, como psicólogo, ver colegas coaches não psicólogos atendendo demandas que não seriam demandas para um processo de Coaching, e sim para um psicólogo clínico, por exemplo. Sim, me incomoda correr o risco de ou literalmente perder espaço para outros profissionais que não tiveram a formação que eu tive durante meus 5 anos de graduação, durante meus 2 anos de mestrado, durante meus 7 anos e meio lecionando psicologia na graduação e pós-graduação, nos 13 anos de consultório, etc., etc., etc.

Eu não sei tudo e nem estou dizendo que profissionais coaches não psicólogos não sejam bons profissionais. Pelo contrário, conheço alguns cujo trabalho é louvável e a quem confiaria contratar como meus coaches.

Muitos são, inclusive, infinitamente melhores profissionais que muitos psicólogos-coaches. Mas como em qualquer profissão, tem havido condutas antiéticas. Nestes casos, como a profissão não é regulamentada, a situação se complica já que não há um órgão regulador e fiscalizador da profissão.

Mais uma vez, vale a pena recordar que esta não é uma dificuldade enfrentada apenas por nós, psicólogos.

Semana que vem, inclusive, vou dar uma palestra a convite da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica justamente em função dos jovens cirurgiões plásticos estarem enfrentando dificuldades de se posicionarem no mercado de trabalho (mesmo estando extremamente bem preparados tecnicamente) já que outros profissionais com habilitação para fazer determinados procedimentos estéticos (tais como enfermeiros, dentistas, biomédicos, farmacêuticos, etc.) têm abocanhado parte do mercado.

De forma semelhante, muitos destes profissionais sabem executar a parte técnica, porém às vezes sem compreensão aprofundada a respeito de aspectos que só um médico tem capacitação e conhecimento teórico.

Falta de embasamento

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Isto me faz lembrar de uma discussão calorosa e muito importante ocorrida dentro da Análise do Comportamento, ainda na década de 80.

Muito brevemente (dentro do possível), para se ter uma ideia, o então recém empossado presidente da ABA – Association for Behavior Analysis, Jack Michael, escreveu um artigo intitulado “A flight from behavior analysis”, no qual fazia um panorama da área nos últimos anos, apresentando as “boas notícias” e as “más notícias” na opinião dele em relação ao desenvolvimento e crescimento da Análise do Comportamento nos EUA e no mundo.

Ele apontou vários pontos positivos, especialmente relacionados ao desenvolvimento de pesquisas básicas importantes nos últimos 40 anos, bem como a aplicação recente da Análise do Comportamento ajudando a humanidade a resolver problemas pessoais e sociais.

No entanto, enfatizou o que para ele eram as “más notícias”: a área havia crescido muito e agora (na década de 80) uma série de psicólogos estavam aplicando os conhecimentos advindos da pesquisa básica em Análise Experimental do Comportamento sem uma compreensão aprofundada dos princípios básicos do comportamento.

Ou seja, havia sido criadas uma série de técnicas comportamentais derivadas dos estudos experimentais de laboratórios e existia uma infinidade de pessoas aplicando tais técnicas e auxiliando na resolução dos problemas da população, porém sem entenderem os motivos pelos quais tais técnicas funcionavam, por exemplo.

Na visão dele, tais profissionais eram meros “aplicadores de técnicas” desconectados da teoria que embasavam tais técnicas, sem conhecimento aprofundado que sustentasse tal aplicação, e isto o preocupava no que tangia ao desenvolvimento futuro da Análise do Comportamento, já que considerava que desta forma a área se tornava menos analítica e menos comportamental.

Em 1981, Donald Baer, o novo presidente eleito, rebateu as críticas de Jack Michael contando duas histórias vivenciadas por ele em sua vida.

Na primeira, comenta que um amigo, que era fotógrafo, havia se oferecido para fazer fotos durante a cerimônia e festa de seu casamento. Semanas depois, presenteou-o com belíssimos registros que representavam, para ele, a real atmosfera de como tinham sido tais eventos, tão especiais.

Comenta que este amigo próximo, (o fotógrafo), não tinha absolutamente nenhum conhecimento analítico sobre ótica, química ou nenhum outro aspecto mais profundo sobre os elementos componentes de uma máquina fotográfica.

Por outro lado, um outro amigo bem próximo era professor e pesquisador de física, com especialidade em ótica.

Segundo Baer, este amigo (o pesquisador) era uma das pessoas mais analíticas que ele conhecia, e era responsável por fazer pesquisas de laboratório. Pesquisas estas que permitiam ao amigo fotógrafo trabalhar.

Ou seja, para Baer, ter pessoas como o amigo fotógrafo (técnico) e o amigo pesquisador de laboratório eram ambas boas notícias, pois um permitia o trabalho do outro. Sem o pesquisador de ótica, as máquinas fotográficas não se desenvolveriam, e sem o fotógrafo, não haveria quem manuseasse plenamente o equipamento e produzisse fotos espetaculares.

Em outro exemplo pessoal, Baer comenta que durante uma viagem com sua esposa e filha de 8 meses, tiveram que parar num hospital pois sua filha estava com febre.

Após uma série de perguntas e exame clínico, o profissional receitou uma medicação e orientou que eles poderiam continuar viagem. E que, caso fosse necessária uma parada num próximo hospital (que estava a 8 horas distante), a medicação aplicada seria suficiente para manter a filha dele melhor até lá. E foi o que ocorreu.

De acordo com Baer, o médico da cidadezinha na qual tinham parado havia prestado um serviço “de rotina, não analítico e estandartizado”, porém efetivo. E que por trás daquela conduta “padronizada” do médico havia gerações e gerações de cientistas experts em bioquímica, microbiologia, fisiologia e farmácia que trabalharam com afinco para produzir e testar tal medicação a ponto de disponibilizá-la para a população.

Enquanto o médico, através de suas questões, soube escolher e administrar a quantidade e a medicação corretas, pesquisadores foram responsáveis por criar tal medicação e não saberiam fazer o exame clínico e administrar a medicação corretamente.

Mais uma vez, Baer destacou como “boas notícias” coexistirem tanto os médicos (aplicadores), quanto os pesquisadores.

Acadêmico X prático

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Aproveitando essa discussão acalorada ocorrida na Psicologia Comportamental na década de 80, e fazendo um paralelo com a nossa discussão, sempre haverá profissionais coaches (psicólogos ou não) que se interessam mais pela “aplicação”, que se interessam por colocarem “a mão na massa” e “fazer acontecer”, que gostam de ajudar a produzir resultados significativos na vida do cliente (sem necessariamente compreender a fundo as bases do que estão fazendo).

E existirão, também, aqueles mais interessados em pesquisar e analisar com profundidade o que sustenta tal prática, fornecendo subsídios fundamentais para que ela se sustente.

Vale lembrar que é exatamente isto que ocorre se pensarmos apenas no campo da Psicologia (independente da abordagem teórica). Há profissionais mais voltados à prática, utilizando-se das descobertas produzidas pelos pesquisadores (com um grau maior ou menor de profundidade sobre as pesquisas), e há os pesquisadores se alimentando da prática e dos desafios encontrados para criar então problemas de pesquisa a serem investigados.

Portanto, penso que isto acaba sendo uma escolha que vai ocorrendo naturalmente ao longo da vida, e a coexistência de todos estes “personagens” é fundamental. Em certo sentido, um depende do outro e se aprimora em função do outro.

Sem sombra de dúvidas, no entanto, independente de quanto um psicólogo-coach se interessa ou não e, portanto, se aprofunda ou não nas bases científicas que estão por trás de cada ferramenta de Coaching e de sua metodologia, o fato de termos estudado pelo menos 5 anos na graduação o comportamento e a mente humana, nos coloca numa posição privilegiada para conduzir processos de Coaching.

Então, me incomoda muito, por exemplo, saber de relatos de pessoas cuja demanda não era para um processo de Coaching e sim para um processo terapêutico, mas que ao procurar a ajuda de coaches não psicólogos acabaram sendo conduzidas a um processo de Coaching, por falta de preparo e ética do coach, o que ocasionou piora em seus quadros de depressão e/ou ansiedade.

O que foi exposto até agora poderia nos fazer pensar que a associação da Psicologia ao Coaching poderia ser eventualmente ruim para nós, psicólogos.

No entanto, quero reiterar minha opinião contida no título do texto: acredito que a Psicologia e o Coaching devam andar de mãos dadas. Afinal, ninguém melhor que um psicólogo que também é coach para acolher e identificar de forma crítica e ética a natureza da demanda que uma pessoa apresenta e, a partir de então, propor a melhor metodologia de trabalho para intervir naquele contexto (terapia, Coaching, orientação, supervisão, consultoria, etc.).

Aliás, a este respeito, de modo a valorizar ainda mais os conhecimentos em Psicologia como um importante aliado para a atuação de um coach, Grant (2006) salienta que alguns autores, como Kauffman e Scoular (2004), preocupam-se com a possibilidade de coaches que não são psicólogos poderem conduzir inadequadamente um processo de Coaching por não terem uma boa base teórica (em Psicologia).

De acordo com eles podem ocorrer, inclusive, danos a alguns clientes que porventura possuam alguma demanda por intervenção psicoterápica e que o coach não esteja preparado para identificar (BERGLAS, 2002; CAVANAGH, 2005; NAUGHTON, 2002). Essa preocupação justifica-se, pois apesar do Coaching não ser recomendado para pessoas que apresentem algum grau de adoecimento psíquico, estudos demonstram que de 25% a 50% dos indivíduos que procuram Coaching de Vida apresentam algum problema relacionado à saúde mental (GREENE, OADES e GRANT, 2005; SPENCE e GRANT, 2005).

Já que o Coaching se utiliza de uma infinidade de conhecimentos científicos produzidos por diversas ciências, especialmente pela Psicologia, faz-se necessário, no meu ponto de vista, entender com mais profundidade a realidade e, então, assumirmos as rédeas da situação.

Assumindo o controle

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Justamente por conta desta insatisfação levantada acima, aproximadamente de 1999 em diante, iniciou-se no exterior um movimento mais organizado por parte dos psicólogos a fim de, em algum sentido, fazer uso do conhecimento que a Psicologia vem produzindo ao longo dos anos para dar credibilidade e embasamento à prática de Coaching.

De acordo com Grant e Cavanagh (2007), muitos psicólogos que trabalhavam com consultoria em empresas e aconselhamento já tinham questionado e pensado sobre suas práticas como práticas de Coaching. Porém, foi apenas a partir de 1996, por conta de uma publicação especial sobre Coaching executivo no periódico da APA (Associação Psicológica Americana) intitulado “Consulting Psychology: Theory, Research and Practice” é que veio à tona e ao debate público o papel do psicólogo como um coach executivo.

Foi após esta publicação que uma discussão mais formal e mais organizada sobre o papel dos psicólogos no Coaching tornou-se mais frequente. A Sociedade Australiana de Psicologia organizou em 1999 um seminário importante para discutir questões teóricas relacionadas à Psicologia e à natureza do Coaching executivo.

Em 2000, foi fundado o Departamento de Coaching Psychology na Universidade de Sydney, oferecendo a primeira pós-graduação no mundo em Coaching Psychology.

Já em 2002 surge um Grupo de Estudos em Coaching Psychology liderado pela Sociedade Australiana de Psicologia, cujo número de membros em 2007 era de aproximadamente 700 psicólogos.

Em Londres também pôde ser observado um movimento de estudo sobre a Psicologia e o Coaching. Em 2004, a Sociedade Britânica de Psicologia formou um “Grupo Especial de Coaching Psychology”, com um número de 1800 membros em 2007. Outros grupos europeus foram surgindo, como a Sociedade Suíça de Coaching Psychology e a Sociedade Dinamarquesa de Coaching baseado em evidências.

Outro avanço importante na área foi a inauguração do Departamento de Coaching Psychology em Londres, na City University, em 2006. A partir de junho de 2007, o Coaching Psychology começou a surgir como uma subdisciplina em algumas universidades, como parte das cadeiras de Psicologia Aplicada.

Novas publicações na área de Coaching Psychology foram surgindo na Inglaterra a partir da Sociedade Britânica de Psicologia, tais como o periódico “Coaching Psychologist” e o “International Coaching Psychology Review”.

Portanto, observou-se um aumento no número de universidades renomadas mundo afora (especialmente nos EUA, Canadá, Inglaterra e Austrália) oferecendo disciplinas isoladas e também programas de Pós-Graduação em Coaching Psychology, contrastando com a “indústria do Coaching” que tradicionalmente oferecia “cursos de finais de semana”, em que pessoas sem formação em Psicologia e sem conhecimento aprofundado acerca do comportamento humano tornavam-se coaches.

Coaching Psychology apropria-se, de forma prática, de todo e qualquer conhecimento advindo da Psicologia (independente da abordagem teórica), utilizando-se para isso de técnicas, ferramentas e metodologia do Coaching a favor da população “funcionalmente saudável”, a fim de facilitar mudanças e promover o bem-estar.

De acordo com Grant (2006, p. 16), trata-se da “aplicação sistemática da ciência comportamental para o aprimoramento da experiência de vida, desempenho no trabalho e bem-estar de indivíduos, grupos e organizações que não possuem problemas mentais clinicamente significativos ou níveis anormais de angústia”. Em termos gerais, Coaching Psychology transita entre a Psicologia do Esporte, Aconselhamento, Psicologia Clínica, Organizacional e Psicologia da Saúde.

Palmer e Whybrow (2005, p. 8) acrescentam que o Coaching Psychology é uma prática voltada para psicólogos e que tem suas raízes na Psicologia como forma de integrar os seus conhecimentos sobre o ser humano a fim de desenvolver formas de intervenção que promovam o bem-estar e o desempenho tanto individual quanto de grupos e organizações. Para os autores trata-se da “[…] aplicação de princípios e teorias psicológicas para apoiar a prática de Coaching”.

De acordo com Grant (2006), há muito tempo a sociedade já aponta a necessidade da Psicologia, como ciência responsável pela explicação e compreensão do comportamento humano, expandir seu conhecimento de forma prática para que o público em geral possa fazer uso de seus achados científicos e aplicá-los no cotidiano de suas vidas.

Muitos psicólogos têm argumentado que não é necessário se tornar um coach para que possamos desempenhar nosso trabalho e para que consigamos ajudar as pessoas em seu desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional. Até porque, de fato, observa-se algumas vezes que como psicólogos eventualmente nós já nos comportamos e adotamos práticas típicas de um coach.

Há 2 fatos que tem sido observados e que chamam atenção:

  1. A existência de clientes (de psicoterapia) que continuam frequentando o terapeuta por mais um longo período, mesmo após a finalização do trabalho terapêutico proposto inicialmente. Muitos clientes argumentam que faz bem ter um espaço e alguém com quem possam contar e por quem possam ser estimulados, semanalmente ou quinzenalmente, mesmo quando tudo está caminhando bem;
  2. A existência de terapeutas que alternam suas práticas para o estilo do Coaching após o trabalho terapêutico inicialmente proposto ter se encerrado. Ou seja, após meses cuidando “daquilo que não estava funcionando bem”, terapeutas continuam atendendo os clientes, porém agora mais focados em resultados e objetivos bem definidos, assemelhando-se ao trabalho realizado num processo de Coaching.

De acordo com Grant (2006) isto parece sugerir que os clientes têm demandado por profissionais coaches que também sejam psicólogos, bem como que os clientes valorizam o psicólogo que se utiliza do conhecimento do Coaching com ênfase na promoção do bem-estar (mais do que focar na patologia) e trabalha no sentido de ajudá-los a atingirem metas e produzirem resultados. E segundo Seligman (2005), citado por Grant (2006), um processo de Coaching Executivo ganha mais credibilidade quando realizado por coaches que são psicólogos.

Portanto, acredito ser fundamental que, no lugar da orientação colocada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) a respeito da Psicologia e do Coaching, que diz que “os profissionais da Psicologia que atuam com essa formação não devem associar suas ações às práticas psicológicas”, deveríamos fazer o contrário.

Ou seja, deveríamos conhecer e nos aprofundar nos conhecimentos relativos ao Coaching e finalmente marcarmos nosso lugar e espaço no Brasil através do Coaching Psychology ou da “Psicologia do Coaching”. Neste sentido, o papel do CFP e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) é fundamental.

Acredito que se isto não ocorrer, teremos mais e mais psicólogos deixando de se intitular psicólogos e virando “apenas coaches”, como forma de se proteger da fiscalização dos conselhos, enfraquecendo cada vez mais nossa classe e profissão.

Não há dúvidas de que a Psicologia tem muito a somar ao Coaching e, no lugar de nos dissociarmos desta prática, penso ser de extrema relevância que nos apropriemos dela, fazendo uso de todo conhecimento teórico e prático que a Psicologia nos proporciona. Ou seja, esta é uma excelente oportunidade de fortalecermos a Psicologia no cenário nacional.

Bebendo na fonte

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Em 2015, tive a oportunidade de ir até Boston (USA) participar de um congresso de Coaching sediado pela Harvard Medical School. Não me espantei ao ver que a maioria dos renomados palestrantes (tais como Amy Cuddy, Marc Brackett, Suzi Skinner, Irina Todorova e David Peterson, só para citar alguns) eram psicólogos e pesquisadores de Harvard e de outras faculdades mundo afora que estavam lá discutindo justamente dados de pesquisa que sustentavam suas práticas de Coaching. Teoria e pesquisa psicológica (além de achados científicos de outras áreas da ciência) servindo de embasamento e apoio para processos de Coaching nos mais diversos contextos.

Portanto, acredito que mais do que ficar “brigando” com o Coaching, nós psicólogos temos o dever de, em primeiro lugar, parar de fazer generalizações inadequadas a respeito de uma parcela do mercado do Coaching que existe em nosso país (a parcela ruim) e incentivar a busca pelo estudo e capacitação dos psicólogos a fim de, num futuro breve, fazer com que as pessoas que quiserem passar por um processo de Coaching naturalmente passem a desejar, cada vez mais, por um psicólogo-coach por acreditarem que estarão melhores amparadas e assistidas desta forma.

Fica aqui então registrada a minha opinião (novamente, você não precisa concordar com ela) e fica o meu desejo de vermos cada vez mais psicólogos-coaches fazendo, com ética e responsabilidade, o seu melhor, seja oferecendo um processo terapêutico, seja oferecendo um processo de Coaching. Afinal, são serviços distintos e continuarão sendo, cabendo ao psicólogo (que porventura também é coach) discernir em cada caso qual a melhor conduta a ser adotada.

Um abraço,

Ghoeber Morales – CRP 04/22146

Psicólogo pela UFMG, Mestre em Análise do Comportamento pela PUC/SP, Master Coach pelo Center for Advanced Coaching (USA), Membro do Institute of Coaching (Harvard Medical School) e do International Coach Federation – ICF.

Referências

BAER, Donald M. A flight of Behavior Analysis. In: The Behavior Analist. 1981; 4(2), p. 85-91. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2741916/?page=1> Acesso em: 25 out. 2016.

GRANT, Anthony M. A personal perspective on professional Coaching and the development of Coaching psychology. In: International Coaching Psychology Review. v. 1 n. 1, p. 12-22, Apr., 2006.  Disponível em: <http://www.instituteofCoaching.org/resources/personal-perspective professional-Coaching-and-development-Coaching-psychology#sthash.qShGnTpc.dpuf> Acesso em: 10 ago. 2016.

GRANT, Anthony M.; CAVANAGH, Michael. Coaching Psychology: how did we get here and whereare we going?. [S.L.: s. n.], 2007. Disponível em: https://www.psychology.org.au/publications/inpsych/Coaching/ Acesso em: 10 ago. 2016.

MICHAEL, Jack. Flight from behavior analysis. In: The Behavior Analyst. 1980; 3(2), p. 1-21. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2741836/> Acesso em: 25 out. 2016.
PALMER, Stephen; WHYBROW, Alison. The proposal to establish a Special Group in Coaching Psychology. In: The Coaching Psychologist. n. 1, p. 5-12, July, 2005. Disponível em: <http://www.choixdecarriere.com/pdf/6573/2010/GyllenstenPalmerJuly2005.pdf> Acesso em: 10 ago. 2016.

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Ghoeber Morales
Ghoeber Morales

Psicólogo pela UFMG, Mestre em Análise do Comportamento pela PUC/SP, Master Coach pelo Center for Advanced Coaching (USA), Membro do Institute of Coaching (Harvard Medical School) e do International Society for Coaching Psychology (Londres).



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